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Anderson Thees: "Uma boa equipe é mais importante que um bom plano de negócios"

01/10/2018 - Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios

No ecossistema das startups brasileiras, alguns nomes são tão admirados quanto temidos. Anderson Thees é um deles. Por um lado, esse mineiro de Juiz de Fora construiu uma das carreiras mais lendárias do mercado de tecnologia brasileiro.

Depois de trabalhar na empresa de software do irmão, Thees passou por companhias de peso como o banco suíço UBS, o fundo Eccelera, o grupo de mídia Naspers — onde pilotou a compra do site Buscapé — e o Apontador.

Desde 2012, quando se tornou sócio-fundador no Brasil da Redpoint e.ventures — uma união de dois fundos de venture capital do Vale do Silício —, ele é visto como guardião do cofre: um juiz implacável, que decide quem é merecedor de uma fatia dos US$ 130 milhões disponibilizados pelo fundo.

E põe implacável nisso: em média, para cada “sim” pronunciado, saem de sua boca outros 200 “nãos”. Em conversa exclusiva com Pequenas Empresas & Grandes Negócios, ele conta como faz suas escolhas, analisa o ecossistema brasileiro e comenta os resultados do Cubo Itaú, espaço de empreendedorismo assinado pela Redpoint e.ventures e pelo banco.

Nos últimos meses, surgiram três unicórnios [empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão] no Brasil — Nubank, 99 e PagSeguro. O que explica esse movimento?
É uma combinação de fatores. As melhorias econômicas recentes fizeram com que os investidores globais voltassem a se interessar pelo Brasil, com foco em resultados de longo prazo.

No caso específico dessas três empresas, elas têm em comum fundadores que são pessoas brilhantes, determinadas e que não desistem fácil.

Além disso, essa safra de negócios tem equipes muito boas, que melhoraram demais de alguns anos para cá. Não tenho dúvidas que essa onda de unicórnios vai continuar. Existem muitas empresas que podem cruzar essa linha rapidamente. Mas acho bom lembrar que se tornar um unicórnio não é um objetivo por si só.

A maioria dos empreendedores que conheço quer criar um negócio sustentável, que pare em pé e tenha muito potencial para crescer. A rodada do US$ 1 bilhão é apenas uma consequência disso.

Esses três unicórnios são de áreas de atuação diferentes. Quais setores oferecem mais oportunidades de crescimento hoje?
Hoje nós temos dois movimentos. De um lado, há os segmentos grandes que estão amadurecendo o uso da tecnologia. É o caso das fintechs. Elas já são um fenômeno, mas ainda existe muita coisa para ser feita nessa área.

Saúde e educação também entram nessa categoria: surgiram muitas startups inovadoras nos últimos tempos, mas ainda há muito espaço para ocupar. E agora estamos começando a ver também startups surgindo em setores que antes não lidavam com tecnologia, como o mercado imobiliário e o de seguros.

O que mudou no nosso ecossistema de startups nos últimos anos? Como a crise afetou o cenário de tecnologia?
Não houve crise no mercado de tecnologia brasileiro. Nada. Zero. Para mim, como cidadão, a crise foi muito ruim, um monte de amigos perderam emprego, foi pesado. Mas, falando de forma superegoísta, como gestor de um fundo, foi muito bom. Nós achávamos que seríamos o primeiro de vários fundos que viriam do Vale para o Brasil. Acabamos virando o único a aportar por aqui.

Além disso, a crise colocou em evidência o nosso trabalho, que consiste em aumentar a eficiência das empresas. Num mercado muito bom, se você oferece uma solução que vai aumentar em 3% a produtividade, ninguém presta muita atenção. Mas, durante uma crise, aqueles 3% podem ser a tábua de salvação. Em relação ao ecossistema, diria que melhorou muito desde que começamos a Redpoint, em 2012.

Muitas lacunas foram preenchidas. É o caso da participação das grandes empresas no ecossistema. No Vale do Silício, as gigantes de tecnologia são ex-startups que, hoje, dedicam parte do seu tempo a investir em empresas iniciantes. Isso não existia no Brasil. Hoje já temos o primeiro grupo de ex-startups brasileiras que se tornaram gigantes, como Movile e Buscapé. Elas receberam investimento, cresceram e agora começam a investir em outras startups. O ciclo se fecha.

Qual a importância do corporate venture nesse ecossistema?
É fundamental. Veja bem, ainda vai levar um tempo para que tenhamos, no Brasil, um grande número de ex-startups prontas para investir em outros fundadores. Então as grandes empresas estão assumindo esse papel.

Um movimento muito significativo nesse sentido foi o lançamento, em 2015, do Cubo Itaú [espaço de coworking que é resultado de uma parceria entre a Redpoint e.ventures e o banco Itaú]. As grandes empresas olharam para nós e pensaram: “Se o Itaú, com o tamanho e o poderio que tem, está dedicando tempo e recursos para entender como as startups funcionam, então é melhor prestarmos atenção também”. Então, vejo como um catalisador desse movimento.

Como você analisa o desempenho do Cubo Itaú nesses três anos?
Na minha avaliação, tivemos um resultado fantástico. Existem várias empresas que saíram de lá e estão se dando superbem no mercado. Um caso emblemático é o do Banco Neon.

Dizem que os bancos são contra as fintechs, mas este é o caso de uma fintech que surgiu dentro de um projeto apoiado por um banco. Nesse momento, estamos com 55 empresas residentes.

Até o final do primeiro semestre deste ano, vamos dar o próximo passo, com o lançamento do novo espaço do Cubo, que será quatro vezes maior que o atual. Terá 12 andares, 20 mil metros quadrados e espaço para algo entre 120 e 200 empresas. Também faremos algumas adaptações no modelo, para permitir que empresas um pouco maiores possam ficar mais tempo por lá.

Você tem fama de ser durão na hora de liberar investimentos. Como é o seu processo de análise de uma startup na Redpoint e.ventures?
É um trabalho muito mais ingrato do que as pessoas pensam. No venture capital, a gente fala muito “não” o tempo todo. São 200 “nãos” para cada “sim”. E, sendo bem cruel, mas falando a verdade, metade desses “nãos” são para empreendedores que não estão fazendo um bom trabalho.

Também existem empreendimentos que são legais, mas não estão no nosso foco. São o que a gente chama de lifestyle business: empresas que vão valer uns R$ 40 milhões daqui a alguns anos, mas que não fazem sentido para um fundo como o nosso.

Às vezes também somos obrigados a dizer “não” a empresas ótimas, com empreendedores preparados, e daí é dolorido. Mas, se o negócio é muito bom, mas tem dois ou três detalhes que não deixam a gente confortável, nossa obrigação é declinar.

Quais são os requisitos básicos para passar pelo seu crivo?
Quando analiso uma empresa, o mais importante, antes e acima de tudo, é a equipe. É o principal fator para tomar a decisão de investir ou não, por vários motivos. O mais óbvio e menos nobre é que não tem mais nada para se olhar numa empresa iniciante. Quanto mais novata é a empresa, mais importante é o comprometimento dos sócios com a solução que eles propõem para o mercado.

O CEO não precisa ter todas as características necessárias para ter sucesso, mas ele precisa ser capaz de atrair outras pessoas que possam complementá-lo. Também é importante que os sócios sejam coachable, ou seja, capazes de absorver novos conhecimentos.

Para a gente, é um péssimo negócio colocar dinheiro em uma empresa que não vai valorizar as nossas experiências. Outros fatores importantes na análise são o tamanho do mercado e o produto ou problema, que para a gente é a mesma coisa, dois lados da mesma moeda. É um pepino grande que a gente vai descascar juntos usando a tecnologia? Então ali tem jogo.

O que pesa mais: uma boa equipe ou um bom plano de negócios?
Uma boa equipe, sem dúvida. Se há uma coisa que eu sei sobre plano de negócios, é que ele sempre dá errado [risos]. Não tem nenhum que dá certo.

Mentira, vou te contar uma vez que eu tive de engolir o que estou dizendo aqui. O plano de negócios da Movile era incrivelmente ousado. Quando a empresa fez cinco anos, o Fabrício [Bloisi, CEO da empresa] me ligou e falou: “Lembra aquela meta do plano? Estamos a 0,7% dela”[risos]. É o único caso concreto que eu conheço.

O que provoca uma recusa imediata?
Um quadro societário desequilibrado. Muitas empresas chegam até nós depois de terem passado por uma ou duas rodadas. E aí receberam aportes de investidores que não entendem de negócios, ou não são da área.

A participação do fundador está diluída. Sabemos que ele não terá o comprometimento necessário para fazer a empresa crescer. Dói o coração declinar nesses casos, mas é nossa obrigação.

Um bom pitch faz toda a diferença?
Existe uma percepção errada de que a gente assiste a um pitch e daí decide se investe ou não. Isso é uma falácia.

Não é assim que funciona: o pitch é apenas uma das peças do processo de análise. É importante? Sim. O empreendedor pode matar a oportunidade dele durante a apresentação. Muitos erram por falta de ambição, em um extremo, ou excesso de arrogância, no outro. Mas ele nunca vai ganhar o cheque só pela performance naqueles cinco minutos.

Na verdade, ele deveria vir aqui no fundo convencer a gente de que a equipe é muito boa, de que a oportunidade é muito boa e que nós deveríamos continuar nos falando.

Muitos empreendedores dizem que o venture capital no Brasil é mais conservador do que em outros países. Você concorda com essa visão?
Eu adoraria falar que isso não tem nenhuma base, mas é verdade, sim. Como há mais abundância de capital nos Estados Unidos, a gente vê um volume maior de apostas ousadas. Isso vai mudar com o tempo.

Hoje ainda é raro fazer investimentos no Brasil em empresas que não têm receita. E isso é algo que questionamos muito. A PSafe não existiria se nós tivéssemos esse tipo de receio. Quando fizemos a primeira rodada, a startup ainda tinha uma receita próxima de zero. Hoje são 50 milhões de usuários engajados no produto. Mas ainda existem muitos investidores que dizem: “Legal, mas eu queria ver um pouco mais de receita”.

O que diferencia os empreendedores brasileiros de seus pares em países como os Estados Unidos, por exemplo?
Nas coisas mais importantes, empreendedor é empreendedor em qualquer lugar. Todos eles são loucos por resolver um problema que um monte de gente considerava impossível, por exemplo.

Agora, dependendo da região e do mercado, muda um pouco o perfil. No Brasil existe uma característica que não é boa nem ruim: o foco no mercado brasileiro. É a consequência de estar em um país como o nosso, com mais de 200 milhões de pessoas. No mundo existem exemplos extremos, como Israel, que é um polo incrível de inovação, com um mercado muito pequeno. O empreendedor de lá é obrigado a olhar o mercado global desde o início.

No outro extremo, está a China, que tem um mercado interno gigantesco e muito adaptado à tecnologia. O Brasil está no meio, mas um pouco mais perto da China. Já uma Argentina, por exemplo, está um pouco mais perto de Israel.

Como foi o seu caminho até chegar ao fundo Redpoint e.ventures?
Desde pequeno, eu gostava muito de matemática. Isso acabou despertando meu interesse por Exatas e pela parte de programação, que ainda estava engatinhando no país. Quando eu era adolescente, fiz um curso numa máquina enorme que nem existe mais, chamada CP 500.

Daí comecei a trabalhar com meu irmão mais velho, que era dono de uma empresa de desenvolvimento de software. Um pouco depois, em 1992, prestei vestibular para engenharia da computação na Unicamp. Assim que me formei, fui para a Europa e fiquei quatro meses por lá. Foi ali que vi o começo da internet acontecendo, e senti que era naquilo que eu queria atuar.

Quando teve contato com o venture capital?
Meu primeiro emprego foi na Bosch, em Campinas. Depois de um tempo, surgiu uma oportunidade para ser trainee do UBS, o maior banco da Suíça, em uma posição lá na Europa.

Acabei ficando três anos em Zurique e fui promovido algumas vezes. Decidi então fazer um MBA em Yale, para me aprimorar. Lá, tive minhas primeiras aulas de venture capital. Adorei. Vi que aquilo ali casava minhas experiências com tecnologia, internet, empreendedorismo e negócios. E aí voltei para trabalhar com isso no Brasil em 2003. Mas era um período bastante ingrato.

Por que era um período ingrato?
Eu tentava fazer contato com os fundos brasileiros, e todos me diziam: “Olha, você não tem noção do que está acontecendo. A bolha da internet estourou, estamos no meio de um inverno nuclear, ninguém está fazendo nada”. Acabei dando muita sorte, porque surgiu uma vaga no fundo Eccelera.

Fiquei lá por quatro anos. Mas, como o mercado estava de fato muito ruim, o fundo começou a focar na parte de imóveis, que não tinha muito a ver comigo. E daí surgiu a oportunidade de ir para a Naspers, empresa de investimentos sul-africana que começava a investir no Brasil. Lá, participei de negociações importantes, como a compra do Buscapé.

Era interessante porque, apesar de estar sozinho no Brasil, eu fazia parte de um grupo multinacional de umas 20 pessoas. Meu chefe ficava em Hong Kong, tínhamos gente na África do Sul, na Rússia... era um time global que olhava todos os países emergentes. Abriu muito a minha cabeça.

Como se tornou CEO do Apontador?
Eu havia sugerido à Naspers que investíssemos na empresa, mas eles disseram que não era estratégico. Daí os acionistas do Apontador me procuraram e disseram: “Não precisamos de dinheiro para crescer, mas precisamos da visão e da execução. Você não quer vir para cá?”. Eu topei.

Durante meu período de dois anos na empresa, o Brasil começou a chamar a atenção de investidores internacionais, até porque o país estava crescendo muito e o mercado estava evoluindo.

Entre esses fundos estavam a Redpoint e a e.ventures, ambas do Vale do Silício. Ao estudar o cenário brasileiro, perceberam que iriam precisar de alguém que entendesse o mercado local. O país tem muitas peculiaridades, tem a bagagem cultural, tem de acompanhar as empresas de perto. Então eles resolveram montar uma operação local e me convidaram para ser o sócio-fundador, em 2012. Vários amigos me ligaram e me acusaram de estar mudando de lado [risos].

De que maneira ocorreu o processo de captação de investimento para o fundo da Redpoint?
Para começar, pegamos um capital que já havia sido disponibilizado pelo fundo e fizemos alguns investimentos iniciais. Daí fomos ao mercado, nos apresentamos e mostramos nossa estratégia. Nosso objetivo era levantar US$ 80 milhões. O primeiro investidor com quem falamos sugeriu que a gente elevasse para US$ 130 milhões. Achei aquilo meio maluco, mas ele estava certíssimo. A gente bateu em US$ 130 milhões num prazo muito rápido.

Quem são os investidores?
Dois terços são americanos e um terço é europeu. A gente queria ter pelo menos uns 10% de investidores brasileiros, mas por aqui ninguém tinha muita ideia do que era venture capital. Além disso, a renda fixa pagava alto e a tecnologia não era vista como uma oportunidade. Resolvemos passar a régua e fechar com os internacionais. Mas continuamos a conversar com os brasileiros, para que pudessem entrar no futuro.

Qual o valor dos ativos hoje? Quais os destaques entre as empresas investidas?
Seguimos com o mesmo fundo de US$ 130 milhões. Quando fizemos a captação, o dólar estava um pouco abaixo de R$ 2, então na verdade o fundo deu uma boa espichada em reais. Com a chegada da crise, adotamos um perfil conservador, especialmente no que chamamos de reservas — esse é o dinheiro que deixamos separado para uma empresa onde temos capital, no caso de surgirem novas rodadas.

Então posso dizer que a crise não impactou o acesso das estrelas de nosso portfólio ao capital. Com esse fundo, estamos hoje em 25 empresas. Difícil escolher os destaques. Temos a Resultados Digitais, de Florianópolis, que é uma das empresas mais bem geridas do Brasil.

Quando você compara as métricas deles com as outras empresas de SaaS do mundo todo, eles dão baile em muita gente. Temos a Gympass, rede que conecta academias de diversas bandeiras, que já está se expandindo globalmente. E tem a PSafe, que virou líder em um segmento difícil, que é a proteção de antivírus em mobile.

Como vê a aproximação entre política e tecnologia, com denúncias de influência das mídias sociais na eleição americana, por exemplo?
É um território novo para todo mundo. Esses fatos são recentes, é preciso estudá-los com cuidado para entender o que aconteceu. A tecnologia pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal.

Ainda assim, acho que as mídias sociais, com todas as conexões que elas permitem, produzem um saldo muito mais positivo que negativo. Temos de aprender a lidar com isso, mas não é motivo para frear a evolução. Nem tem como fazer isso.

No Brasil, pela primeira vez vemos candidatos falando em startups. Você foi procurado pela equipe de algum candidato para discutir o tema?
Sim. Tem coisas interessantes acontecendo, mas é uma curva grande de aprendizado. Existe uma falta de conhecimento dos políticos, que costumam confundir startups com pequenos negócios. E existem programas de incentivo do governo que acabam criando efeitos negativos, como o Simples.

No intuito de simplificar a vida do empreendedor, eles colocam um teto para o cara. É surreal, uma camisa de força que freia o crescimento. Mas talvez o grande ponto fraco no nosso mercado seja o arcabouço regulatório. É caro e complicado desenvolver o ecossistema no Brasil.

Como você vê o empreendedorismo no Brasil, para além do digital?
Na minha visão, existem duas coisas capazes de tornar o Brasil um país melhor: o empreendedorismo e a educação. Meu foco é o empreendedorismo, então tento dar a minha contribuição.

Fico feliz em ver que o ato de empreender, hoje, virou uma coisa bacana, digna de admiração. Quando eu estudava na Unicamp, 26 anos atrás, ser empreendedor não era uma carreira louvável. Sua mãe só ia ficar orgulhosa se você fosse trabalhar numa multinacional. Internet, então, era algo contagioso. Você dizia que trabalhava com internet e a resposta era “Coitado! Você jura? Não liga não, já vai passar” [risos]. Dá para acreditar?





     

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